sábado, 8 de novembro de 2014

A nossa história...

A primeira vez que te vi, foi no meu primeiro momento de emancipação.
Conheci-te porque os meus pais me deixaram viajar para casa de um avô de um amigo. Trazia comigo a curiosidade típica de um adolescente com a mania de se apaixonar por tudo e por nada.

Naquela altura as mochilas tinham roupa. Ponto final. Sem telemóveis, portáteis, ou tecnologias de ponta. Tudo em ti me pareceu belo. Eras limpa e arrumada.

Na primeira noite pedi à laia de desafio um vodka numa esplanada. Serviram-me uma bebida plena de presença. Estava sentado no meio da cidade, numas irónicas "Tílias".

Procurei a emissora da carta com a qual trocava correspondência. Encontrei-a à distância de uma chamada para a rede fixa. (para quem não se lembra era uma fortuna, mas eficaz, pois todos atendiam sempre).

Começou a paixão. Nessa primeira viagem conheci os teus primeiros recantos, ainda tímido. A partir daí voltava no Carnaval, Páscoa, Verão, sempre que podia. Mas na altura só o Cartão Jovem me valia, e o dinheiro era muito curto.

Já com 19 anos comecei a trabalhar enquanto estudava e era para ti quase todo o dinheiro. Sentava-me em Santa Apolónia para viajar durante 4 horas até te encontrar. Depois de passar as fabulosas portas de Rodão já me sentia em casa. Por falar em casa, devo ter dormido em mais de 15 casas diferentes. Recebias-me sempre de braços abertos.

Aprendi contigo o que era a amizade que se perdia e se encontrava meses depois. Tinhas as raparigas mais giras e inteligentes que conheci. E em troca dei-te a energia e chama que merecias. Contigo eu era eu mesmo. Sem filtros.

Ajudei a organizar feiras, vesti-me de padre no Carnaval, vendi cachorros quentes e memórias de computador e discos rígidos trazidos de Lisboa, time sharing (durante muitos anos detestei comerciais por causa disso) e fui assistente de Contabilidade. Apaixonei-me loucamente várias vezes.
Tinhas locais fabulosos, em palacetes antigos: Património, Sebastião... Até na Alternativa estava-se bem.

A melhor maneira de me ir embora para não ter saudades, era sempre as 5.00 da manhã num comboio de cabine onde ainda se dormia até Santa Apolónia me chamar para a realidade.

Levantei a primeira nota de 20 euros às 00:02 do dia 1 de janeiro de 2002, e festejei como se tivesse ganho o euromilhões. Depois vim-me grego na discoteca para me fazerem os trocos.

O tempo afastou-nos, a vida levou-me para a Imbicta. Em 2009, horas antes de saber que iria ser pai, voltei. Queria ver-te, sentir o que houvera sentido, a irresponsabilidade de ser simples, de ter o bolso vazio e a alma cheia.

Os retalhos da nossa história, sabemos nós (tu provavelmente mais :)). Nunca precisámos de tirar fotografias e videos e Redes Sociais e cenas, para que me esquecesse de ti.

Sou um apaixonado pelos cantos  de Portugal: desde Sagres, até Serpa, Zambujeira, Évora, Almeirim, Baleal, Sesimbra, ou Mira, Gerês, VN Cerveira, VP Âncora, Miranda do Douro, Ponte de Lima, Guimarães, Guarda, Viseu, Moledo (do minho ou de Castro Daire), passando pelas tascas de Lisboa e Porto, pernoitando em Oleiros para comer Maranhos. Mas é em ti, Castelo Branco que guardo as mais fortes memórias, com todo o respeito pelo que já passei. Até nos Açores me lembrei de ti porque os sotaques têm parecenças. Bem haja.

domingo, 5 de outubro de 2014

Domingo à tarde visto por vários ângulos.




Um dos aspetos que senti quando deixei de trabalhar por conta de outrém foi o de deixar de ter o síndrome de Domingo à tarde. Aquela sensação de angústia silenciosa pela segunda feira estar a chegar. Isso não existe, o que é uma vantagem, a não se que não gostemos de nós próprios.

No entanto a noção de Domingo é mais difusa: podemos estar a meio de um trabalho a qualquer momento, e termos que responder a uma solicitação.

Neste Porto onde vivo, (para ser preciso, no concelho de Matosinhos) os Domingos de Outubro, que começam a ser cinzentos trazem o conforto da casa e dos momentos familiares. Diferente dos Domingos dos "anos 20" onde a esta hora provavelmente ainda estaria no 2ºsono. O meu herói de 1.02mts e a recuperação já não permitem "aterrar" depois de tomado o sacramental Gurosan.

Um Domingo atualmente tem muitas horas: as primeiras da manhã quando estamos connosco próprios e tudo está a dormir à nossa volta; a hora do almoço e pós almoço, de uma lentidão extraordinária e em que os batimentos descem para um nível de subsistência; o final de tarde onde se prepara a semana mentalmente, com a perfeita noção de que tudo pode mudar num minuto.

Deixei de gostar tanto de sextas-feiras: já não sinto o frenesim de deixar de "aturar" os outros, pois, mais uma vez, estaria mal se não gostasse de trabalhar com o meu chefe.

Gostava dos Domingos na aldeia: todos se reuniam à hora do almoço que se prolongava até o sol desaparecer. Para muitos o único dia de descanso, para outros, a tarde ainda representava a ida à quinta para dar de comida aos animais e regar os campos. Adorava os relatos de futebol, num tempo onde a rádio era raínha. Agora tudo é fácil, ao alcance de uns cliques, mas ainda sinto o rádio a relatar os lances de perigo, pelas serras perto de Castro Daire, em alturas onde o tempo não valia o que vale hoje, mas sim muito mais.

Se alguém ler este texto, desejo um bom domingo: acalorado, friorento, solarengo, cinzento, no litoral, no interior, em Portugal, no mundo, sozinho ou acompanhado. O Domingo reflete o nosso estado de espírito mais do que todos os outros dias da semana.